segunda-feira, 16 de março de 2009

Seis

O silencio incomoda meus ouvidos acostumados com o caos das grandes metrópoles. Vocês devem se perguntar quem sou eu. Mas, a pergunta é “quem é você?”… Eu sou o incômodo silencio nas palavras destas cartas, e também sou as palavras nesse mesmo silêncio.

 

Capítulo 12

Confissões

Vou aproveitar que ainda estou sob o efeito do álcool da noite passada e fazer algumas confissões. Certo, na noite passada não trabalhei, ao invés disso me perdi na bebida. Encontrei alguns ‘amigos’ de antigamente que me pagaram ‘umas e outras’. Acho que ultrapassei meus limites novamente. Não voltei pra casa, dormi como um bicho, jogado na sarjeta. Só não me levaram nada, porque realmente eu não tinha nada. Mas, não!!! Não era essa a confissão. Foi um parêntesis que precisei abrir. É que isso me fez lembrar do homem que fui há quinze anos. Antes de conhecer minha esposa, eu tive problemas com a bebida. E não foram poucos. Levei uma vida completamente sem sentido, cheia de lacunas e tropeços. Naquela vida, cheguei a roubar e matar. Confesso. Outra confissão? Resolvei sair pra beber porque o passado voltou pra me assombrar. Como (?), vocês perguntam… Eu abri a misteriosa maleta.

 

Capítulo 13

E Deus disse: Faça-se a luz… e ela me foi dada!!!

Não penso muito na minha infância. Posto que esta não está registrada em minhas memórias. Posso, entretanto, relatar algumas cenas, umas que me foram contadas, outras que me foram vividas. Minha mãe me abandonou num orfanato, dizem, logo após meu pai ter sido assassinado por traficantes a quem devia dinheiro. Fiquei no orfanato sete anos. Lá, fui iniciado nas letras; aprendi o mais básico da leitura e da escrita. Detestava aquele lugar, era sombrio, cheirava a lixo em decomposição, estava sempre infestado de ratos e baratas. Parecia mais um inferno. O meu inferno…

 

Sete

Hoje, olhando as paredes de minha cela, descobri que não são elas que me prendem, sou eu que me escondo nelas…

 

Capítulo 14

Para toda ação, uma reação

Veio-me à cabeça, agora, uma coisa com a qual não me preocupei capítulos atrás: as conseqüências de minhas confissões. Todos devem estar apreensivos sobre o conteúdo da maleta. Então, é melhor começar a me explicar. Antes, porém, preciso contar como consegui abrir a dita cuja. Mas, como está tarde, e preciso dormir, vou deixar essa explicação preliminar para um próximo capítulo.

 

Oito

Francisco, essa talvez seja a mais comprida carta que você receberá de mim. A mais pessoal também. Quero compartilhar alguns acontecimentos. Não me fiz entender até hoje, e sei que o livro que você escreve parece não fazer sentido quando os capítulos são entrecortados por minhas cartas. Gostaria, então, que você explicasse aos seus leitores a importância de minha participação em sua história [em nossa história]…

Desculpe minhas reticências. Como estou na biblioteca aqui do presídio, por vezes, tenho minha atenção desviada por algum motivo. Dessa vez, foi uma barata que vi escondida atrás de Alice no País das Maravilhas. Já leu esse livro? Deveria. Foi escrito por Charles Lutwidge Dodson. Conta a história… Melhor que você mesmo leia, não quero que minhas interpretações o incomodem…

Bom, voltando à barata… Não tive como não pensar em você. Não me julgue mal. Não o estou comparando a uma barata. Estou comparando a barata a você. Perdoe-me. Explico…

[…]

sexta-feira, 13 de março de 2009

Capítulo 9

Feita a ressalva anterior, posso voltar minhas narrativas à maleta misteriosa. Artefato construído de papel grosso, recoberta de couro de búfalo, nascido e morto nos arredores do Marajó. Composto de duas partes que, quando presas, dão forma a uma espécie de caixa rasa. Sua serventia, no mais das vezes, é de guardar objetos principalmente papéis. Para prender a parte superior, menor em espessura, à parte inferior, era preciso um cadeado de senhas [levei um mês para abrir tal maleta].

PS.: Desculpe a descrição mal feita da maleta, é que como ela, até esse momento, está-me sendo indecifrável, gostaria que o mistério se estendesse a vocês. Agradeço a compreensão.

 

Capítulo 10

Falando em Joaninha

Uma madrugada chuvosa, estava eu catando lixo, e não é que achei um trabalho muito interessante jogado no lixo (?). Era um trabalho escolar. Desses de sétima série. Acredito que fosse de Biologia, pois falava sobre insetos. O que mais me chamou atenção foi a parte sobre as joaninhas. Por coincidência o nome carinhoso que dei a minha filha (acho que já falei isso…). Bem, dizia lá:

Joaninha é o nome popular de um inseto da família Coccinellidae.

Procurei saber depois o que era esse negócio de coccinellidae e descobri que era alguma coisa que até hoje não sei o que é… mas li no trabalho que

Os cocinelídeos possuem corpo semi-esférico, cabeça pequena, patas muito curtas e asas membranosas muito desenvolvidas, protegidas por uma carapaça quitinosa. Ela pode medir de 1 ate 10 milímetros e podem viver ate 180 dias.

Ou seja, é um bichinho muito pequenininho e frágil…

Seus ovos eclodem em uma semana e seu estágio larval é de três semanas. Possui duas antenas que servem para sentir o cheiro e o gosto. Há cerca de 4500 espécies dentro deste grupo, distribuídas por 350 gêneros, distinguíveis pelos padrões de cores e pintas da carapaça. As joaninhas são predadores no mundo dos insetos e alimentam-se de afídeos, moscas da fruta e outros tipos de insetos. Uma vez que a maioria das suas presas causa estragos às colheitas e plantações, as joaninhas são consideradas benéficas pelos agricultores. Existem joaninhas de várias cores: vermelha, amarela, verde, laranja, dourada.

As cores das joaninhas servem para avisar para os predadores que elas não são saborosas. A joaninha mais comum é a vermelha com pintas pretas. Ela tem 7 pintas. As outras joaninhas, de outras cores, têm mais de 7 pintas ou menos. 

Existe joaninha-macho e joaninha-fêmea. A fêmea é maior que o macho. As joaninhas ficam juntas no inverno, para se proteger do frio.

Nasce de um ovinho, depois vira larva e aí vira joaninha. Se defende dos seus predadores soltando um líquido amarelo e com um cheiro ruim.

É, meu interlocutor, acho que você venceu, as joaninhas fedem mesmo, mas não a minha, que tem cheiro de flores…

Ela também se finge de morta, para não serem comidas. A joaninha enxerga para todos os lados. A joaninha é muito comilona, come entre 40 a 75 pulgões por dia. Bate suas asas 85 vezes por segundo durante o seu vôo. A joaninha tem meio centímetro. É menor que uma unha.

Bom a minha Joaninha era frágil e pequenina, apesar de ser comilona também. Mas essa história fica pra um outro capítulo.

 

Cinco

O desprezo é muitas vezes o nosso aliado na luta contra a mediocridade do mundo, e com ele nos tornamos também medíocres.

 

Capítulo 11

Máculas

Li uma vez num pedaço de livro que encontrei jogado no meio do lixo – um livro chamado Elogio da Loucura, se não me engano, de um autor cujo nome me foge à lembrança – uma frase que dizia, não com essas palavras, “orgulha-te de ti mesmo, quando não tem quem o faça”. Mas, isso nunca consegui. Já fiz, e faço, muitas coisas das quais não me orgulho. Tenho um passado, como o de muitos, maculado por erros irreparáveis, e um presente que não me é uma dádiva. Sou um simples Francisco, não aquele que deixou sangrarem suas mãos ao abdicar dos prazeres mundanos. Cometi crimes, e um deles foi não conseguir guardar meu mais precioso bem. Caros leitores, tenho culpa, então podem me julgar e se for preciso me condenem…

terça-feira, 10 de março de 2009

Quatro

… Desculpe, Francisco… [é esse seu nome, não é mesmo?], mas hoje não estou à vontade para escrever. Pensei bastante antes de deixar-lhe esta carta tão vazia de significado…

(…)

… Creio que por hoje terás de contentar-te com algumas reticências…


Capítulo 5

Se até o lixo pode ser reciclado…

Com minha esposa desempregada, minha vida mudou drasticamente. Precisei arrumar outro emprego, ou meio de sustento, mas ainda assim não consegui tirar as mãos do lixo. Tornei-me catador de lixo reciclável. Toda madrugada, punha-me a recolher papel, caixa de papel, garrafas, latas e tudo o que poderia ser reutilizado. O trabalho era degradante e temo falar sobre dignidade, pois corro o risco da crítica, quiçá da censura. Prefiro imaginar, e só imaginar o lado bom. Assim, consegui ver flores germinarem em meio àquela enorme quantidade de estrume. E com toda a minha imaginação, pensava no bem maior, eu era um agente de transformação ambiental, pois com meu trabalho reduziria os danos que o homem, com toda a sua arrogância de poder, causa aos outros homens e a toda a natureza. Mas, não querendo me estender neste capítulo, prefiro terminar sem hipocrisias: o que seria de mim sem todo aquele lixo. Não havia meios, para mim, de trabalhar em outro oficio. Eis aqui minha ignorância, ainda não revelada. Como fui mesquinho ao pensar assim.

 

Capítulo 6

Tristes alegrias

O que vocês acham de falarmos sobre coisas mais alegres? Porque é assim mesmo que funciona, como nos telejornais, para cada notícia triste, intercalamos uma alegria momentânea! As minhas, porém, foram tão curtas, que um parágrafo talvez seja muito grande para relatá-las.

 

Capítulo 7

O dia do dia mais feliz da minha vida

Poucas, como houvera dito, foram as alegrias da minha vida. Uma delas, a qual gostaria de relatar-lhes aqui, foi o nascimento de Joaninha. Um parêntesis rapidinho: vocês sabem o que é uma joaninha?

(…)

E esse foi o dia mais feliz da minha vida.


Capítulo 8

Ressalva

Depois dessa grande alegria, poderia encerrar o livro por aqui, mas ele não teria sentido. Então, para não gastar-lhes mais o precioso tempo, vou iniciar o relato do verdadeiro motivo que me trouxe a escrever essa história. Aguardemos, porém, o próximo capítulo.

 

sábado, 7 de março de 2009

Era na certeza do amanhecer que eu adormecia todas as noites. E cada uma mais difícil que a outra. Porém, nunca desisti; enfrentei meus piores pesadelos, ciente da necessidade de corrigir minhas faltas. Fácil é reconhecer os erros, difícil é pagar por eles. E eu os paguei, um a um. Mais com sangue que com suor. Arrependido? Não!!! Acho que não. Simplesmente, culpado.

 

Capítulo 0

Das apresentações

Antes de mais nada, preciso me apresentar para prestar alguns esclarecimentos. Meu nome é Francisco, e como muitos outros franciscos não tive condições dignas de vida; mal completei a oitava série. Por esse motivo, peço a compreensão de todos, porque se essa história virou um livro, ainda assim, não mereço os créditos de escritor: sou um simples ajuntador de causos.

 

Capítulo 1

Apesar de esta história ter acontecido no decorrer de quase uma década, a minha, em contrapartida, é pequena e pobre de sentido. Sou gari; trabalho como gari há treze anos. Fui-me acostumando com o lixo e com a rua, que escrever essa história não pareceu nenhum sacrifício. Mas, não quero falar disso ainda. Quero falar um pouco mais de mim…


PS.: Decidi não dar título ao capítulo 1, visto da falta de higiene que este se me apresenta...


 Dois

Talvez o meu maior pecado tenha sido o excesso de virtudes. Não nego meus predicados. Não caberia, porém, colocá-los à prova. Até por que estou na maior de minhas provações. Estou preso, e nada mais importa. Sou apenas um sujeito…

 

Capítulo 2

Uma história sem encanto

Essa estória não tem o encanto do “era uma vez”, não carrega com ela o deslumbramento da fantasia; é uma estória manchada pelo orgulho e ganância do homem. Naquele dia, não mais de duas da tarde, larguei o trabalho e me dirigi para casa. Sempre fui muito dado à leitura, apesar de meu pouco estudo, e isso aguçou minha curiosidade. Gostava de saber de tudo. No mundo da informatização, preferia informação. Lia os jornais velhos que eu recolhia em meio ao lixo; revistas antigas; pedaços de livros, até mesmo cadernos e agendas. Lia de tudo. Por isso, agora escrevo; porque acredito que exista outro alguém como eu e que me está lendo agora. A você, meus parabéns e meu muito obrigado.

 

Capítulo 3

A maleta misteriosa

No capítulo anterior, pus-me a falar sobre aquele dia. Juntei meus trecos para ir-me embora. Ao perder-me, antes, falando do meu gosto pela leitura, imagino ter comentado como esta enriqueceu minha curiosidade. Na verdade, fui eu quem matou o gato. Já a caminho da parada de ônibus, deparei-me com aquela maleta encostada em um pé de árvore, mal coberta por folhas e gravetos. Senti-me o próprio Epimeteu. Era uma tarde ensolarada, mas havia poucas pessoas nas ruas e ninguém parecia importar-se com aquela árvore, muito menos com o que ela escondia. Eu, porém, fiquei tão incomodado com a ousadia daquela maleta, que teimava em atiçar a minha curiosidade. Ela representava a mim o desconhecido e poderia ser detentora de milhões em dinheiro. Quantas vezes já não lera sobre pessoas que haviam encontrado dinheiro em maletas misteriosas. Pensei em levá-la à polícia, mas então não conheceria o seu conteúdo. Levei para minha residência.

 

Três

Minhas cartas não são de despedida. Elas reafirmam a inconstância dos meus sentimentos. Preso nessa jaula, não posso sentir a dor da liberdade e muito menos o sofrimento da vida. Por esta, eu apenas passei; e, por mim, passou a morte, rondou-me e acabou por estacionar nas esquinas das minhas dúvidas.

 

Capítulo 4

Um novo esclarecimento

Desculpem-me os que me lêem hoje, mas prefiro não falar ainda sobre o conteúdo da maleta misteriosa. Preciso ainda concluir alguns esclarecimentos necessários para se tentar entender essa história. Vocês já me conhecem pelo nome e já foram apresentados ao meu ofício. Não sabem, entretanto, que minha filhinha de cinco anos estava morrendo de leucemia; o tratamento era caro demais para o orçamento do meu lar. Pobre lar, que ficou ainda mais pobre com a notícia de que minha esposa perdera o emprego. Devido à doença de minha querida Joaninha, assim chamada carinhosamente, minha esposa Julia dedicara mais tempo à casa que ao próprio emprego. Conclusão: [in]justa causa…